O filme “Escritores da Liberdade” me deixou bastante emocionada,
fazendo- me perceber cada vez mais que a educação deve ser
contextualizada, ligada permanentemente com as histórias de vidapresentes na sala de aula. Se não for assim não se tem intervenção
social, a escola acaba por reproduzir o sistema capitalista e burguês,
excluindo quem é diferente, em especial os segmentos que
historicamente foram marginalizados, como, negros, índios, mulheres,
crianças e jovens.
Aquela cidade vivia em conflitos, os estudantes de diversas
etnias traziam para dentro da sala seus conflitos, não tinha como
deixar do lado de fora, pois fazia parte deles. Viver por um dia, já
era uma vitória. A política da escola e de todo o sistema escolar era
não debater essas questões na sala de aula. A professora rompeu esse
silêncio e ao invés de só depositar conteúdos programados no currículo
escolar, começou a conversar sobre o que tinha a ver com os jovens: as
gangues, a violência. A partir da escrita e reflexão das histórias
dolorosas e sofridas de cada um e cada uma começou a perceber que
existiam muitas coincidências, todos passavam pelas mesmas
dificuldades.
Na nossa cidade e nosso sistema educacional burocrático as coisas
não são muito diferente. Existem muitas “salas 203” nas escolas
públicas da periferia de Fortaleza, se voltarmos os nossos olhos para
EJA *, vamos ver que as histórias de vida são bem parecidas com as do
filme. Quem está na EJA geralmente são adolescentes e jovens em
conflito com a lei, envolvidos com o tráfico de drogas, estudantes que
foram expulsos da sala de aula “normal” por seu comportamento, na sua
maioria jovens negros.
Trabalhar com a história de vida de educandos e educandas é
proporcionar uma sensibilização de todo o processo social, cultural e
histórico que percorreram, ajudando- os a entender a realidade na qual
estão inseridos, problematizando o futuro, saindo do determinismo,
criando novas possibilidades. A situação não pode ser vista como algo
fatal, “mas sim como uma situação desafiadora, que apenas limita.”
(FREIRE, p.85, 2005)
experiência da metodologia “Museu das Juventudes” desenvolvida com
jovens das periferias do Pici e Jangurussu, propiciada pela ONG
Diaconia. Cada jovem escreveu sua história de vida, através da Linha
do Tempo, depois teve que criar uma Cena- Fulgor, que representasse
toda sua trajetória existencial. Baseados nessas duas vivências cada
um e cada uma escreveu o Projeto de Si, projetando e planejando sonhos
para sua vida. A metodologia inspirou todos os jovens participantes
possibilitando criar estratégias de vida ligadas as questões
artísticas e poéticas do viver que quase sempre são marginalizadas
pelo sistema capitalista. Nascendo assim uma grande intervenção na
cidade, o Coletivo de Culturas Juvenis- CCJ Fortaleza.
Muito embora essa não tenha sido uma experiência vivenciada em
uma sala de aula formal, no modelo bancário da educação, mas é uma
metodologia criada que pode sim ser experimentada e vivida nas salas
de aula, transformando-as em “salas- museus das juventudes”, criando
um museu vivo, com as histórias dos próprios educandos e educandas,
contando suas realidades, como sujeito da História.
O principal mérito de transformar os alunos da EJA em
autores e autoras é proporcionar uma reflexão sobre sua herança
genética, social, cultural e histórica (FREIRE, p. 53, 1996), entendo
sua situação opressora, como uma situação desafiadora que pode ser
reconstruída com alegria, cores e sabores de justiça e igualdade,
lutando por direitos. Entendendo “que as coisas podem até piorar, mas
também que é possível intervir para melhorá-las.” (FREIRE, p. 52,
1996).
O educador e a educadora devem estar atentos, pois cumprem um
papel fundamental na formação social, política, cultural, emocional e
histórica na vida desses jovens. Suas metodologias deve ser inovadoras
e motivadoras, incentivando- os a lutar por seus ideias e sonhos, com
os elementos que tem a ver com suas vidas, planejando o seu futuro com
o seu próprio projeto de vida.
A afetividade na EJA é de tamanha importância, pois será
através das relações de afeto e confiança que os educandos e educandas
se sentiram seguros para socializarem suas histórias de vida,
entendendo que ali ninguém vai julgar, mas escutar, compreender e
possibilitar a construção de novos sonhos, de novos caminhos a serem
trilhados. Percebendo que naquele coletivo sua presença é de tamanha
importância, pois também contribui na percepção de vida dos outros
jovens com seus saberes específicos, com sua trajetória de vida.
Certa vez uma professora da alfabetização de jovens e adultos, no
Jangurussu, grande periferia, me falou que os estudantes começaram a
faltar às aulas. Cansada de esperar e eles não aparecerem, resolveu
numa certa noite de aula, fazer um momento diferente, externo aos
muros da escola, reuniu todos que estavam na sala e saíram pela
comunidade, visitando de casa em casa, aqueles que não estavam indo
mais para escola. Depois disso a turma deu revigorada, trazendo de
volta aqueles que não estavam mais frequentando e criando laços
afetivos em toda a turma.
Nós educadores e educadoras precisamos compartilhar novas
possibilidades, novas energias em sala de aula, aproveitando esse
tempo da escola, para possibilitar que os educandos e educandas
vivenciem vibrações positivas, diferente do que eles vivenciam fora da
escola, vinculados com suas histórias, fazendo se reconhecer como
importantes sujeitos construtores da história, em especial gerando a
alegria de viver com direitos respeitados, numa grande ciranda da
pluralidade onde cada um e cada uma é singular.
Abraços.
Por: Sávia Augusta **.
* EJA - Educação de Jovens e Adultos.
**Estudante do Curso de Pedagogia na UFC, Contadora de histórias no Grupo Esteiras de histórias, participante do Grupo Maria das Vassouras e Samba pelo Samba e integrante Coletivo de Cultura Juvenis - CCJ Fortaleza.
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